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Por doutora Thereza Cavalcanti
“Semelhantes geram semelhantes”
Há milhares de anos, a humanidade sabe que os filhos se parecem com
seus pais, que as famílias têm semelhanças entre si e que as sementes geram plantas como as que originaram seu fruto. Em alguns povos, a semeadura era considerada uma mensagem aos deuses sobre o que se desejava colher.
O mecanismo de transmissão dessas informações, por sua vez, era explicado mitologicamente, sem conhecimento das bases moleculares.
Quando a genética passou a ser reconhecida como ciência?
Gregor Johann Mendel (1822-1884), também conhecido como “pai da genética”, foi um monge agostiniano austríaco dedicado à biologia, à botânica e à meteorologia. De 1856 a 1863, Mendel realizou a
polinização cruzada ou o intercruzamento de diferentes variedades de ervilha. Um dos experimentos envolveu o cruzamento entre ervilheiras de flores roxas e outras de flores brancas, cuja descendência toda apresentou flores roxas. Entrecruzando 929 plantas híbridas, 1:3 apresentou flores brancas, como as iniciais.
Mendel propôs que os fatores que controlam os traços atuam como partículas, em vez de líquidos, e que tais partículas não se misturam, mas são transmitidas intactas de uma geração para a próxima, justificando o resgate de características de gerações anteriores. Mendel foi precursor na ideia de que as células do organismo possuem o dobro de informações do que os gametas.
Graças à observação cuidadosa, ao registro detalhado e ao pensamento
criativo, Mendel propôs as bases moleculares da genética. Para tanto, contou ainda com a sorte de escolher um bom organismo para estudar, com características controladas por genes únicos.
As implicações e a importância de suas descobertas foram subestimadas
durante mais de 30 anos. Ele publicou em uma revista local em 1866 e faleceu em 1884. Em 1900, o trabalho foi descoberto e divulgado pelo biólogo britânico William Bateson que, em 1905, cunhou o termo genética: o estudo da herança. As tais partículas da hereditariedade passaram, então, a ser chamadas de GENES.
O que é DNA?
No interior das células, existe uma longa molécula que traz consigo não
apenas as instruções para o funcionamento celular, como também uma programação preliminar de quais trechos serão copiados e traduzidos e quando essas ações ocorrerão.
O ácido desoxirribonucleico (DNA) é classificado como polímero por ser
composto pela combinação de nucleotídeos. Cada nucleotídeo, unidade
fundamental dessa macromolécula, é composto por uma estrutura anelar
central ligada a, pelo menos, um grupo fosfato e a outra estrutura anelar
contendo nitrogênio, a chamada base nitrogenada.
Tal qual o código binário, escrito em 0 e 1, está para as ciências da computação, os pares de bases nitrogenadas armazenam o código da vida. Os pares de bases adenina (A) e timina (T), bases púricas, e citosina (C) e guanina (G), bases pirimídicas, compõem nucleotídeos com formatos e cargas elétricas complementares ligados por pontes de hidrogênio duplas ou triplas, respectivamente.
Como essas informações estão codificadas?
Enquanto o DNA é composto por dupla fita pela ligação dos pares de
bases, o ácido ribonucleico (RNA) é uma molécula polimérica linear menor,
de fita única, composta pelas bases complementares à fita-molde do DNA:
citosina (C), guanina (G), adenina (A) e uracila (U), sendo, esta, substituta à
base pirimídica timina, do DNA.
Onde o material genético é guardado?
O principal abrigo do DNA das células eucarióticas é o núcleo. Essa longa
molécula está organizada em cromossomos. O ser humano normalmente
possui 46 cromossomos em cada célula, dois dos quais são chamados de
cromossomos sexuais.
Há ainda as moléculas de DNA circular, intrínsecas às mitocôndrias, e fragmentos de DNA livre circulante no plasma.
Nos eucariotos, as moléculas de RNA, por sua vez, transitam entre o
núcleo e o citoplasma, atuando na regulação e na expressão dos genes e na decodificação do DNA e tradução de proteínas.
Regulação gênica
Genes específicos são ligados/desligados em cada célula ou tecido e esse perfil muda ao longo do estágio do desenvolvimento.
Chamamos de genes as regiões do DNA que codificam RNA funcional ou
proteína. Elementos regulatórios são sequências do DNA às quais se ligam
moléculas capazes de ativar ou reprimir a expressão de um gene.
Como as informações armazenadas no DNA são lidas e traduzidas?
A sequência de nucleotídeos é transcrita em uma molécula mensageira (ácido ribonucleico) que leva a informação nuclear até o citoplasma,
onde a proteína é “montada”. Cada trinca de nucleotídeos codifica um dos
20 aminoácidos, sendo que um mesmo aminoácido pode ser codificado
por trincas diferentes (código genético degenerado ou reduntante) e algumas trincas informam o início ou a parada da transcrição. Depois de formado, o encadeamento de aminoácidos assume uma conformação tridimensional, devido à forma e às diferenças elétricas entre seus componentes, passando a se chamar proteína.
O que é DNA mitocondrial?
As mitocôndrias são as organelas responsáveis pela produção de energia
para a célula. Com essa usina privativa de energia, as células animais puderam se especializar cada vez mais. São microestruturas curiosas, pois têm DNA próprio, circular e se dividem dentro da célula, independentemente do núcleo.
O DNA mitocondrial (mtDNA) é um subconjunto do genoma observado nas mitocôndrias, especializado nas funções da organela.
Enquanto o DNA nuclear é organizado em cromossomos herdados de
ambos os pais, assumimos que o mtDNA tenha herança uniparental. As mitocôndrias do espermatozoide ajudam na sua navegação até o ovócito, mas o gameta masculino praticamente não contribui com citoplasma para o zigoto, ou seja, apenas seu DNA nuclear participa da fecundação. São as organelas maternas, portanto, que garantem o desenvolvimento do embrião.
Devido à replicação independente entre essas organelas, diferente do DNA
nuclear, as mutações surgidas em uma mitocôndria só serão transmitidas às que forem originadas desta, podendo ocorrer mistura de genomas mitocondriais na mesma célula (heteroplasmia) e segregação aleatória desses subconjuntos durante a divisão celular.
Doenças mitocondriais podem decorrer de mutações em genes mitocondriais ou nucleares e podem ter manifestações variadas, incluindo sintomas neurológicos, musculares e metabólicos. Atualmente, as mitocôndrias também são reconhecidas como fundamentais para a qualidade dos óvulos e desenvolvimento do embrião.
DNA e doenças genéticas
Temos mecanismos muito eficientes de verificação e reparo do DNA. Ainda
assim, acontecem mutações. Apenas a minoria das mutações está relacionada a doenças. Essa relação é estabelecida correlacionando variantes genômicas com dados clínicos e populacionais.