Doenças

Doença de Gaucher: entenda as causas, formas de tratamento e como os exames genéticos podem auxiliar

Dr. Roberto Giugliani ​

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O que é a Doença de Gaucher?

A doença de Gaucher, também conhecida como Deficiência de Glicocerebrosidase, é uma doença metabólica hereditária em que a deficiência da enzima beta-glicocerebrosidase (ou beta-glicosidase ácida) resulta no acúmulo de quantidades prejudiciais de certas gorduras (lípidos), especificamente o glicocerebrosídeo glicolipídico.

Esta doença é categorizada como um distúrbio de armazenamento lisossomal (lysosomal storage disorder – LSD). Os lisossomos são pequenos compartimentos dentro das células onde moléculas grandes são degradadas. As enzimas dentro dos lisossomos quebram essas moléculas em pequenos pedaços. Os carboidratos complexos e gorduras passam por esse processo na reciclagem de seus componentes. Na doença de Gaucher, os glicolipídeos (açúcares que possuem gordura na composição) principalmente o glicocerebrosídeo, se acumulam progressivamente nas células chamadas macrófagos devido à falta da enzima beta-glicocerebrosidase. Estes macrófagos aumentam de tamanho, cheios de glicocerebrosídeo não degradado e passam a ser chamados de “células de Gaucher”.

As células de Gaucher se acumulam principalmente no fígado e no baço fazendo com que esses órgãos aumentem o tamanho. Essas células também infiltram a medula óssea, provocando anemia, queda das plaquetas e enfraquecimento dos ossos, que podem quebrar com mais facilidade em comparação a ossos normais.

Os sintomas e achados físicos associados à doença de Gaucher variam muito de paciente para paciente. Alguns indivíduos desenvolvem poucos ou nenhum sintoma (assintomáticos); outros podem ter complicações graves.

Causas da Doença de Gaucher

A Doença de Gaucher manifesta-se por causa de variações patogênicas (mutações) na sequência do gene glicosilceramidase beta 1 (GBA) que codifica a enzima beta-glicocerebrosidase (GAA). É uma doença de herança autossômica recessiva. Significa que, somente quando recebemos uma mutação para a doença vinda do pai, e uma mutação vinda da mãe, desenvolvemos a doença.  Pais portadores da mutação causadora da doença possuem 25% de chance de ter um filho afetado.

Tipos da Doença de Gaucher

Existem três subtipos principais da doença de Gaucher:

  1. Doença de Gaucher tipo 1, também conhecida como não neuropática (não envolve o sistema nervoso central) é a forma mais comum da doença. Os indivíduos com doença de Gaucher tipo 1 podem apresentar hematomas devido a baixa de plaquetas (trombocitopenia), fadiga crônica causada pela anemia, fígado e/ou baço anormalmente aumentados (hepatoesplenomegalia). A deficiência do fornecimento de sangue em vários ossos do corpo causa dor óssea intensa, degeneração e deformidade dos ossos afetados além de osteoporose (enfraquecimento dos ossos). Tais anormalidades esqueléticas resultam em maior suscetibilidade a fraturas. Em casos raros, os indivíduos afetados também podem apresentar problemas nos pulmões e/ou rins. Os sintomas podem surgir em qualquer idade.
  2. Doença de Gaucher tipo 2, também conhecida como doença neuropática aguda de Gaucher, ocorre em recém-nascidos e bebês e é caracterizada por complicações neurológicas devido ao acúmulo anormal de glicocerebrosídeo no cérebro. O aumento do baço (esplenomegalia) é frequentee precoce, e pode tornar-se aparente antes dos seis meses de idade. O aumento do fígado (hepatomegalia) nem sempre é evidente. Os bebês afetados podem perder habilidades motoras previamente adquiridas e apresentar baixo tônus muscular, espasmos musculares involuntários que resultam em movimentos lentos e rígidos dos braços e pernas e também estrabismo. Além disso, os bebês afetados podem apresentar dificuldade para engolir (disfagia), o que pode resultar em dificuldades de alimentação; e insuficiência respiratória. Anemia e trombocitopenia também podem ocorrer. A doença de Gaucher tipo 2 geralmente progride para complicações potencialmente fatais, como dificuldade respiratória ou entrada de alimentos nas vias respiratórias (pneumonia por aspiração). A expectativa de vida dessas crianças é de 1 a 3 anos.
  3. Doença de Gaucher tipo 3, também conhecida como doença de Gaucher neuropática crônica, ocorre durante a primeira década de vida. Além das anomalias sanguíneas e ósseas comuns, os indivíduos afetados desenvolvem complicações neurológicas que progridem mais lentamente do que no tipo 2. As complicações neurológicas associadas incluem deterioração mental, incapacidade de coordenar movimentos voluntários (ataxia) e espasmos musculares. Alguns indivíduos podem ter dificuldade em mover os olhos de um lado para o outro. Uma proporção significativa de pacientes também desenvolve doença pulmonar intersticial. Pode haver grande variabilidade na apresentação e no curso clínico entre pacientes. Alguns podem viver até a adolescência ou até os 20 anos, enquanto outros vivem por muito mais tempo (30 e 40 anos). Com dificuldades crescentes, os indivíduos afetados podem necessitar de assistência para cumprir as tarefas da vida diária (por exemplo, comer, tomar banho e andar).

Ainda é possível existir pessoas assintomáticas ou mesmo com a manifestação da doença tão grave que o paciente morre antes ou logo após o nascimento.

Sintomas da Doença de Gaucher

Os sintomas podem variar entre os pacientes e, para muitos, eles começam na infância. Os sintomas da doença de Gaucher podem incluir:

  • Baço aumentado.
  • Fígado aumentado.
  • Distúrbios do movimento ocular.
  • Manchas amarelas nos olhos.
  • Anemia por deficiência de glóbulos vermelhos (hemácias).
  • Cansaço extremo (fadiga).
  • Hematomas.
  • Problemas pulmonares.
  • Convulsões.

Tratamento da Doença de Gaucher

O principal objetivo é melhorar a qualidade de vida dos pacientes, permitindo-lhes realizar as suas atividades diárias normais sem limitações causadas pela doença. Outros objetivos incluem a prevenção da gravidade das complicações, como redução da densidade óssea, osteoporose e ou falta de ar devido à função pulmonar reduzida.

O tratamento é individualizado para cada paciente dependendo do tipo de doença de Gaucher. A tipo 1 é considerada tratável, pois não envolve sintomas neurológicos, uma vez que o cérebro não é afetado. O tipo 2 não é considerado tratável neste momento devido ao dano cerebral rápido e irreversível na infância. O tipo 3 ainda envolve danos neurológicos, mas esses sintomas progridem mais lentamente do que no tipo 2. Existem opções atuais de terapia medicamentosas que incluem terapia de reposição enzimática (TRE) e terapia de redução de substrato (SRT).

A TRE repõe, ou melhor, suplementa a falta de beta-glicocerebrosidase: a enzima que degrada a substância gordurosa que se acumula em pessoas com a doença. O tratamento é administrado por via intravenosa, a cada duas semanas, e reduz a quantidade de glicolipídio acumulado.

A terapia de redução de substrato (TRS), é um método usado por via oral para reduzir a produção do glicolipído pelo corpo, provocando assim menor acúmulo nas células, e é utilizada como terapia alternativa em casos em que a reposição enzimática não é a melhor opção.

Além disso, o paciente precisa de suporte para a saúde óssea, o controle da dor, a reabilitação para a manutenção da funcionalidade e, eventualmente, o tratamento cirúrgico de problemas osteoarticulares. Nos pacientes com manifestações convulsivas, é necessário o uso de anticonvulsivantes.

Diagnóstico da Doença de Gaucher

A suspeita do diagnóstico é clínica na maior parte dos casos. O médico deve avaliar a presença de sinais e sintomas da doença e, assim, proceder à confirmação laboratorial. Um diagnóstico de doença de Gaucher deve ser considerado em indivíduos com anemia inexplicável e fácil formação de hematomas, especialmente se o paciente apresentar aumento do baço, fígado e fraturas.

O diagnóstico laboratorial consiste na análise da função da enzima beta-glicosidase no sangue, que deve estar reduzida ou ausente, seguida da identificação de variantes patogênicas no gene GBA por métodos moleculares.

O diagnóstico pré-natal da doença de Gaucher é possível se uma mutação conhecida no gene GBA estiver presente na família. O teste pode ser feito por meio de amniocentese ou amostragem de vilosidades coriônicas (CVS), mas é incomum, a menos que haja histórico familiar de doença de Gaucher tipo 2. Durante a amniocentese, uma amostra de líquido que envolve o feto (líquido amniótico) é removida e analisada, enquanto CVS envolve a remoção de amostras de tecido de uma parte da placenta. O diagnóstico pré-natal pode confirmar um diagnóstico definitivo da doença de Gaucher, mas não determina o tipo de doença.

Redação: Carolina Martins do Prado – assessora técnica de conteúdo na Dasa Genômica

Referências Bibliográficas

Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz. Doença de Gaucher: sintomas, origem e tratamento. 2019. Disponível em: https://www.bio.fiocruz.br/index.php/br/gaucher-sintomas-transmissao-e-prevencao. Acessado em 09 de mar. 2024.

National Gaucher Foundation. What is Gaucher Disease? Disponível em: https://www.gaucherdisease.org/about-gaucher-disease/what-is/. Acessado em 09 de mar. 2024.

Adam MP, Feldman J, Mirzaa GM, et al., editors. Seattle (WA): Gaucher Disease University of Washington, Seattle; 1993-2024.

National Organization for Rare Disorders. Gaucher Disease. Disponível em: https://rarediseases.org/rare-diseases/gaucher-disease/. Acessado em 28 de mar. 2024.

Nilton Salles Rosa Neto. Doença de Gaucher: conheça os sintomas da doença genética e veja como tratá-la. Hospital Nove de Julho, Disponível em: https://www.h9j.com.br/pt/sobre-nos/blog/doenca-de-gaucher. Acessado em 28 de mar. 2024.